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Recuperar com a Terapia da Fala após um AVC
Zelia Fernandes • 9 de outubro de 2024

Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) provoca alterações na pessoa que sofreu o problema, mas também nas dinâmicas familiares e profissionais. A linguagem oral, escrita e não verbal ficam frequentemente afetadas após este episódio. Comunicar com o outro passa a ser um desafio e uma adaptação constante. O Terapeuta da Fala é o profissional que pode ajudar a reabilitar parte das capacidades comunicativas do indivíduo.


Uma das áreas de atuação da Terapia da Fala são as Alterações Adquiridas da Linguagem – falamos, especialmente, de sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), uma lesão que acontece no cérebro por hemorragia (quando há rompimento de um vaso cerebral) ou isquemia (quando um dos vasos do cérebro fica obstruído impedindo a circulação de sangue). 

 

As sequelas de AVC são ainda atualmente uma das causas de maior incapacidade e mortalidade no mundo ocidental, sobretudo nas faixas etárias mais velhas, ainda que desde há uns anos assistamos ao fenómeno de ocorrência de AVC´s em indivíduos cada vez mais jovens. 

 

Uma lesão cerebral é um episódio de doença aguda, súbita (apesar de poderem existir antecedentes e fatores desencadeantes), forte e marcante na vida de qualquer pessoa, podendo variar a localização da lesão e a extensão dessa lesão no cérebro. Estes dois importantes fatores, localização e extensão, vão ditar a gravidade da perturbação adquirida, bem como a sua recuperação e intervenção por parte das equipas especializadas e multidisciplinares que irão acompanhar o doente ao longo de vários meses ou mesmo anos. 

 

É importante referir que a reabilitação nas mais diversas áreas necessárias, onde se inclui a Terapia da Fala, deve iniciar-se logo que possível e manter-se de forma regular e intensiva nos meses seguintes. 

 

Apesar de as sequelas de AVC não serem episódios degenerativos (teoricamente não se vão agravando no tempo), podem, no entanto, apresentar prognósticos reservados e recuperações lentas e prolongadas. 

 

Existe um espetro de sequelas pós-AVC, desde recuperações quase totais a situações que obrigam a mudanças profundas no dia-a-dia do utente e daqueles que o rodeiam. Tudo irá depender dos vários fatores que referimos anteriormente, bem como da motivação do paciente, da presença ou não de outros problemas de saúde e do apoio fundamental do meio envolvente (família, amigos, profissionais de saúde).

O cérebro muda-se e adapta-se

Após lesão, os neurónios - células altamente especializadas que “habitam” no nosso cérebro - existentes na zona afetada morrem, levando a que o doente deixe de conseguir realizar determinadas tarefas, parcial ou totalmente, como falar, escrever ou compreender o que ouve e lê, provocando alterações que podem ser profundas na forma como comunica, se expressa e receciona a informação que o rodeia. 

 

Contudo, um fator determinante e fundamental na recuperação de um AVC, e que está na base de muitas metodologias de reabilitação, é a plasticidade e a modularidade cerebrais. O cérebro é moldável, “plástico” e adaptável, organizando-se em módulos, que se articulam entre si mas funcionam de forma autónoma, o que poderá explicar que após uma lesão neurológica determinadas capacidades cognitivas e de linguagem possam estar intactas em alguns doentes e em outros não. 

Por exemplo, um doente com uma Afasia (Perturbação Adquirida da Linguagem) pode ser capaz de compreender o que lhe dizem, mas apresentar grande dificuldade em expressar-se verbalmente.



O contributo da reabilitação em Terapia da Fala

As lesões neurológicas provocadas pelo AVC são localizadas e variáveis na sua extensão, o que significa que podem continuar a existir neurónios saudáveis e funcionais noutras áreas do cérebro. 

É aqui que começa o trabalho de reabilitação do Terapeuta da Fala. Através de determinadas técnicas e metodologias com evidência científica, a intervenção com o Terapeuta da Fala contribui para que as áreas do cérebro responsáveis pela fala e pela linguagem sejam manipuladas de forma a reorganizar os neurónios mantidos em novas funções. O cérebro, “plástico” e inteligente, pode ser capaz de tirar partido da estimulação externa vinda da Terapia e reorganizar as áreas e circuitos neuronais que ficaram intactos ao serviço da fala e da linguagem do indivíduo. 

 

A fala e a linguagem podem readquirir alguma da funcionalidade perdida, permitindo que o utente volte a comunicar com as pessoas que o rodeiam, seja de forma mais adaptada e orientada pelo interlocutor, seja de forma autónoma. Quanto mais cedo for iniciada a intervenção, após o episódio da lesão, mais hipóteses existem de recuperação. 

 

A máxima “cada caso é um caso” adequa-se fortemente à recuperação de uma sequela na fala e na linguagem pós-AVC. Há doentes que evoluem significativamente, outros que lamentavelmente terão mais limitações. Como referido, uma série de fatores, entre eles a presença ou ausência de intervenção terapêutica, vai ditar o prognóstico do paciente que, em muitos casos, poderá ser imprevisível. O que sabemos é que a intervenção em Terapia da Fala pode fazer a diferença na vida do utente e restituir-lhe o seu direito fundamental de comunicar. 

Bibliografia


  • Ellis, A. & Young, A. (1996). Human Cognitive Neuropsychology: a textbook with readings. Hove, East Sussex: Psychology Press.
  • Fonseca, J. (2018). Afasia e Comunicação Após Lesão Cerebral. Lisboa: Editora Papa-letras.
  • Geraldo, A., Dores, A.R., Coelho, B., Ramião, E., Castro-Caldas, A., Barbosa, F. (2018) - Efficacy of ICT-Based neurocognitive rehabilitation programs for acquired brain injury. European Psychologist.
  • Mineiro, A., Castro-Caldas, A., Rodrigues, I. & Leal, G. (2008). Revisitando as Afasias na PALPA-P. Cadernos de Saúde, 1 (2). Lisboa: UCEditora.
  • Seikel, J. A., King, D. W., & Drumright, D. G. (2010). Anatomy & Physiology for Speech, Language, and Hearing. 4ª edição. Nova Iorque: Delmar.
  • Swinney, D., Love, T., Nicol, J., Bouck, V. & Hald, L.A. (2000). Neuroanatomical organization of sentential processing operations: evidence from aphasia on the (modular) processing of discontinuous dependencies. In R. Bastiannse & Y. Grodzinsky, (Eds.), Grammatical disorders in aphasia: a neurolinguistic perspective (pp 51-66). Londres: Whurr Publishers


Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
Por Patrícia Primo, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer 4 de dezembro de 2024
 “Se perdesse todas as minhas capacidades, todas elas menos uma, escolheria ficar com a capacidade de comunicar porque com ela depressa recuperaria tudo o resto” Daniel Webster
Por Patrícia Primo, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer 17 de abril de 2024
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
Por Zélia Raposo Fernandes, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer 6 de março de 2024
A Terapia da Fala, utilizando práticas baseadas na evidência científica, recorre ao funcionamento do cérebro como uma ferramenta de intervenção. Saiba o que é a PLASTICIDADE CEREBRAL e como este mecanismo natural do cérebro está presente nas metodologias utilizadas na Terapia, para ajudar as crianças no desenvolvimento da fala e da linguagem. Diariamente, chegam-nos ao consultório crianças e adolescentes que não têm a fala adquirida; outros, falam, mas com distorções em alguns sons, apresentam um vocabulário aquém do esperado para a idade ou um discurso desorganizado. Outros, nunca deram sinal de alteração até à entrada para a escola, altura em que a aprendizagem da leitura se revelou um inexplicável problema para pais e professores. Após a avaliação em Terapia da Fala, inicia-se a intervenção e, regra geral, as crianças começam a evoluir gradualmente, superando os seus obstáculos. É importante salientar a “velha máxima” de que cada caso é um caso e apesar de duas crianças poderem ter o mesmo diagnóstico, como por exemplo Perturbação dos Sons da Fala, cada uma terá evoluções e resultados diferentes. Cada criança tem o seu tempo, a sua família e herança genética, o seu meio escolar, a sua personalidade, a sua arquitetura cerebral . Todos os cérebros terão a mesma base organizacional - como por exemplo uma área concreta altamente especializada na linguagem, no hemisfério esquerdo -, mas há nuances que diferem de pessoa para a pessoa. Se, por um lado, essas diferenças têm uma base genética, por outro vão sendo fomentadas ao longo da vida, desde o período in útero, e que passam pela estimulação que recebemos do meio, do acesso à saúde e outros recursos básicos, de eventuais doenças, da alimentação, da medicação, da intervenção terapêutica (como a que é realizada nas sessões de Terapia da Fala) , entre outros fatores.
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