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Sistema Aumentativo e Alternativo de Comunicação e Perturbação do Espetro do Autismo
Patrícia Primo, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer • 4 de dezembro de 2024



“Se perdesse todas as minhas capacidades, todas elas menos uma, escolheria ficar com a capacidade de comunicar porque com ela depressa recuperaria tudo o resto”

Daniel Webster



O que é a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA)?

A PEA é uma alteração do neurodesenvolvimento que se caracteriza pela ocorrência de dificuldades ao nível da comunicação e da interação social, assim como de comportamentos restritivos e repetitivos. A palavra “espetro” deve-se à variedade de sinais que esta condição biomédica pode ter e que pode ser bastante diferente de criança para criança (ASHA, 2024; NIH, 2020).


Sabe quais são os principais desafios que as crianças com PEA enfrentam? 

As crianças com PEA podem enfrentar uma variedade de desafios ao longo da vida, nomeadamente dificuldades nas seguintes competências/áreas:

  • Comunicação social: atenção conjunta, reciprocidade social e cognição social.
  • Linguagem e capacidade cognitiva necessária para a linguagem: dificuldades na produção das primeiras palavras e na construção frásica; utilização e compreensão da comunicação verbal e não-verbal; realização de jogo simbólico; conversação; alfabetização; funcionamento executivo.
  • Processamento sensorial: sistemas sensoriais (p.e.: reatividade reduzida, reatividade extrema ou mista a sons do ambiente, luz, cheiros, estimulação tátil, movimento, toque).
  • Da alimentação: aceitação de diferentes alimentos, podendo ocorrer rejeição com base na forma, cor e/ou textura dos alimentos.
  • Gestão dos comportamentos e emoções:  aceitação de mudanças nas rotinas; generalização de diferentes capacidades aprendidas; padrão de sono; autorregulação; interesse excessivo por determinados objetos ou temáticas. 

(ASHA, 2024)


Já ouviu falar de Sistema Aumentativo e Alternativo de Comunicação (SAAC)? 

Um SAAC pode incluir uma variedade de técnicas, estratégias e/ou ajudas que auxiliam a criança com dificuldades na comunicação a expressar as suas necessidades, desejos e pensamentos e pode incluir:

  • Sistemas pictográficos;
  • Gestos;
  • Tabelas ou quadros de comunicação;
  • Escrita;
  • Digitalizadores de fala;
  • Aplicações informáticas para comunicação.

(ASHA, 2024; Direção Regional de Educação do Centro, 2012; Sapage, S. et al., 2018)

Quais são os tipos de SAAC?

Existem dois tipos de SAAC, nomeadamente os sem ajuda e os com ajuda/auxiliados:


  • SAAC sem ajuda: são sistemas que não requerem uma ferramenta ou tecnologia de apoio exterior ao corpo da criança (como um botão de comunicação multifuncional). Exemplos:
  • Gestos de uso comum;
  • Sinais específicos de uma língua (p.e: Língua Gestual Portuguesa);
  • Linguagem corporal e facial.

(ASHA, 2024; Sapage, S. et al., 2018)


  • SAAC com ajuda/auxiliados: são sistemas que requerem a utilização de um dispositivo de suporte independente da criança (eletrónico ou não eletrónico) para transmitir uma mensagem.

Exemplos:

  • Quadros de comunicação;
  • Fotografias;
  • Escrita;
  • Objetos. 


Exemplos de alta tecnologia:

  • Computadores/tabletes/telemóveis com aplicações de comunicação aumentativa e alternativa;
  • Recursos de conversão de texto em fala;
  • Dispositivos de gravação de fala.

(ASHA, 2024; Sapage, S. et al., 2018)


Sabe quais são os benefícios de um SAAC?

A implementação de um SAAC não deve ser realizada apenas com crianças que não tenham desenvolvido a oralidade. Crianças que apresentem oralidade como forma de comunicação, mas reduzida, podem diminuir o insucesso no desenvolvimento da comunicação e linguagem se iniciarem precocemente a intervenção através de um SAAC (Sapage, S. et al., 2018).


A intervenção através de um SAAC (ASHA, 2024; Sapage, S. et al., 2018; brasileiro, R. et al., 2024):

  • Melhora a comunicação funcional;
  • Aumenta as competências linguísticas e de literacia;
  • Melhora a expressão e a compreensão da linguagem;
  • Ajuda a desenvolver a fala;
  • Melhora a comunicação social;
  • Diminui os comportamentos desafiadores;
  • Contribui para a inclusão social.


O SAAC atua na funcionalidade?

Existem crianças com limitações e/ou dificuldades na fala, linguagem oral, leitura e/ou escrita que necessitam de outro meio de comunicação, nomeadamente um SAAC, que permita que a criança adquira linguagem compreensiva e expressiva e auxilie no processo de alfabetização. A necessidade da utilização de um SAAC pode surgir aquando de uma alteração congénita, adquirida ou de uma perturbação neurológica, como a PEA (ASHA, 2024). 


O SAAC tem como objetivo promover a autonomia da criança, fornecendo-lhe uma oportunidade de comunicação com as outras pessoas e com o meio envolvente (Almeida, R. 2021). 


As necessidades de cada criança variam e por esse motivo deve ser realizada uma avaliação completa e detalhada da comunicação da criança, por um técnico especializado, nomeadamente o Terapeuta da Fala, de forma a analisar as capacidades da criança e os seguintes aspetos:

  • Nível de autonomia e de interação da criança;
  • Contexto em que o SAAC irá ser utilizado;
  • Principais interlocutores;
  • Tipo de necessidades;
  • Perfil e características individuais da criança (p.e.: comportamento, adaptação, gostos pessoais). 


O SAAC atrasa ou dificulta o desenvolvimento da fala?

Ainda existe muito receio por parte dos cuidadores em relação à possibilidade de a implementação de um SAAC atrasar ou dificultar o desenvolvimento da fala nas crianças. No entanto, ao longo dos últimos anos, vários estudos têm demonstrado o oposto (Sapage, S. et al., 2018). Vários autores, nomeadamente Romski e Sevcik (2005) e Millar et al. (2006), têm demonstrado que a utilização de um SAAC tem contribuído, não só para o desenvolvimento comunicativo das crianças utilizadoras, como para o aumento das suas produções orais (Sapage, S. et al., 2018).


De que forma atua o Terapeuta da Fala na PEA, através da implementação de um SAAC?

O Terapeuta da Fala é o profissional responsável pela avaliação e intervenção de crianças com dificuldades de comunicação, sendo que estas dificuldades ocorrem com elevada prevalência em crianças com PEA. Nestes casos, o desenvolvimento de uma comunicação eficaz e funcional é desafiante, com repercussões ao nível do desenvolvimento da linguagem oral e fala.


A ausência de uma forma de comunicar irá reduzir a participação social da criança junto dos seus parceiros de comunicação e do meio que a rodeia, sendo por isso fundamental a intervenção do Terapeuta da Fala que, em conjunto com a família, atuará no sentido de implementar um SAAC que melhor se adeque às necessidades da criança no seu dia-a-dia.


A avaliação do Terapeuta da Fala para o processo de implementação de um SAAC pode incluir a análise dos seguintes aspetos:

  • Utilização de um meio de comunicação que facilite a fala da criança;
  • Utilização de um meio de comunicação que substitua a fala ou a escrita;
  • Necessidade temporária ou permanente do SAAC.


A intervenção do Terapeuta da Fala, aquando da implementação de um SAAC, tem como objetivo potencializar as capacidades de fala e/ou linguagem oral expressiva e compreensiva (quando estas são limitadas) ou manter o SAAC como principal meio de comunicação (quando não existe desenvolvimento da fala) (ASHA, 2024). Após a implementação do SAAC selecionado para a criança, o Terapeuta da Fala irá treinar a criança, a sua família e restantes membros envolvidos no processo terapêutico, para a utilização eficaz do mesmo, considerando estratégias e objetivos-alvo predefinidos que melhorem a comunicação funcional da criança e a sua inserção social no meio envolvente (ASHA, 2024).


Bibliografia


  • Almeida, R. (2021). SAAC: Promoção da Comunicação (e inclusão) em crianças com PEA [Dissertação de Mestrado, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação de Viseu].
  • American Speech-Language-Hearing Association (n.d). Autismo (Portal de Prática). Recuperado Outubro, 31, 2024, de https://www.asha.org/practice-portal/clinical-topics/autism/#collapse_9
  • American Speech-Language-Hearing Association (n.d). Comunicação Aumentativa e Alternativa (Portal da Prática). Recuperado Outubro, 31, 2024, de https://www.asha.org/practice-portal/professional-issues/augmentative-and-alternative-communication/#collapse_4
  • Brasileiro, R., Oliveira, A., Rodrigues, Á. (2024). A Importância da comunicação aumentativa e alternativa (CAA) de pessoas com deficiência. 
  • Chirvasiu, N., Simion-Blândã, E. (2018). Alternative and Augmentative Communication in Support of Persons with Language Development Retardation. Doi: https://doi.org/10.18662/rrem/43
  • National Institute on Deafness and Other Communication Disorders (2020). Autism Spectrum Disorder: Communication Problems in Children. 
  • Sapage, S., Cruz-Santos, A., Fernandes, H. (2018). A Comunicação Aumentativa e Alternativa em crianças com perturbações graves da comunicação: cinco mitos. Revista Diálogos e Perspetivas em Educação Especial 5(2). 

Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
Por Zelia Fernandes 9 de outubro de 2024
Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) provoca alterações na pessoa que sofreu o problema, mas também nas dinâmicas familiares e profissionais. A linguagem oral, escrita e não verbal ficam frequentemente afetadas após este episódio.
Por Patrícia Primo, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer 17 de abril de 2024
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
Por Zélia Raposo Fernandes, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer 6 de março de 2024
A Terapia da Fala, utilizando práticas baseadas na evidência científica, recorre ao funcionamento do cérebro como uma ferramenta de intervenção. Saiba o que é a PLASTICIDADE CEREBRAL e como este mecanismo natural do cérebro está presente nas metodologias utilizadas na Terapia, para ajudar as crianças no desenvolvimento da fala e da linguagem. Diariamente, chegam-nos ao consultório crianças e adolescentes que não têm a fala adquirida; outros, falam, mas com distorções em alguns sons, apresentam um vocabulário aquém do esperado para a idade ou um discurso desorganizado. Outros, nunca deram sinal de alteração até à entrada para a escola, altura em que a aprendizagem da leitura se revelou um inexplicável problema para pais e professores. Após a avaliação em Terapia da Fala, inicia-se a intervenção e, regra geral, as crianças começam a evoluir gradualmente, superando os seus obstáculos. É importante salientar a “velha máxima” de que cada caso é um caso e apesar de duas crianças poderem ter o mesmo diagnóstico, como por exemplo Perturbação dos Sons da Fala, cada uma terá evoluções e resultados diferentes. Cada criança tem o seu tempo, a sua família e herança genética, o seu meio escolar, a sua personalidade, a sua arquitetura cerebral . Todos os cérebros terão a mesma base organizacional - como por exemplo uma área concreta altamente especializada na linguagem, no hemisfério esquerdo -, mas há nuances que diferem de pessoa para a pessoa. Se, por um lado, essas diferenças têm uma base genética, por outro vão sendo fomentadas ao longo da vida, desde o período in útero, e que passam pela estimulação que recebemos do meio, do acesso à saúde e outros recursos básicos, de eventuais doenças, da alimentação, da medicação, da intervenção terapêutica (como a que é realizada nas sessões de Terapia da Fala) , entre outros fatores.
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