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Como é que a Terapia da Fala ajuda as crianças a falar?
Zélia Raposo Fernandes, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer • 6 de março de 2024

A Terapia da Fala, utilizando práticas baseadas na evidência científica, recorre ao funcionamento do cérebro como uma ferramenta de intervenção.

Saiba o que é a PLASTICIDADE CEREBRAL e como este mecanismo natural do cérebro está presente nas metodologias utilizadas na Terapia, para ajudar as crianças no desenvolvimento da fala e da linguagem.



Diariamente, chegam-nos ao consultório crianças e adolescentes que não têm a fala adquirida; outros, falam, mas com distorções em alguns sons, apresentam um vocabulário aquém do esperado para a idade ou um discurso desorganizado. Outros, nunca deram sinal de alteração até à entrada para a escola, altura em que a aprendizagem da leitura se revelou um inexplicável problema para pais e professores.

Após a avaliação em Terapia da Fala, inicia-se a intervenção e, regra geral, as crianças começam a evoluir gradualmente, superando os seus obstáculos. 

 

É importante salientar a “velha máxima” de que cada caso é um caso e apesar de duas crianças poderem ter o mesmo diagnóstico, como por exemplo Perturbação dos Sons da Fala, cada uma terá evoluções e resultados diferentes. Cada criança tem o seu tempo, a sua família e herança genética, o seu meio escolar, a sua personalidade, a sua arquitetura cerebral

 

Todos os cérebros terão a mesma base organizacional - como por exemplo uma área concreta altamente especializada na linguagem, no hemisfério esquerdo -, mas há nuances que diferem de pessoa para a pessoa. Se, por um lado, essas diferenças têm uma base genética, por outro vão sendo fomentadas ao longo da vida, desde o período in útero, e que passam pela estimulação que recebemos do meio, do acesso à saúde e outros recursos básicos, de eventuais doenças, da alimentação, da medicação, da intervenção terapêutica (como a que é realizada nas sessões de Terapia da Fala), entre outros fatores. 

Mais Estímulo, Mais Aprendizagem

Outro aspeto que sabemos é que quanto mais cedo for iniciada a estimulação adequada da criança mais redes neuronais (ligações entre os neurónios, as células do cérebro) se formarão progressivamente, proporcionando um acesso mais rápido e eficaz à informação que se vai armazenando no cérebro e uma aprendizagem de novas palavras e conceitos cada vez maior.

 

A estimulação, além de precoce, deverá ser feita através das várias vias de receção da informação (auditiva, visual, táctil, olfativa), para tornar a aprendizagem mais abrangente e completa, mas também porque cada uma destas áreas têm ligações privilegiadas ao cérebro.

O cérebro organiza-se em módulos e em áreas especializadas que comunicam entre si.

 

A estimulação e a superação de desafios em qualquer área, mas sobretudo nas áreas evidenciadas na avaliação terapêutica como sendo mais frágeis, desencadeia sinapses que ligarão e fortalecerão o funcionamento das células do cérebro, potenciando que as novas aprendizagens diárias se “instalem” e sejam usadas de forma bem-sucedida. 

 

Quanto mais ligações entre as células existir, maiores são as possibilidades de apreendermos e utilizarmos com eficácia a informação que o nosso cérebro vai registando constantemente. 

Simultaneamente, a Terapia da Fala recorre a este conhecimento de que o cérebro é “plástico”, moldável e adaptável ao estímulo direcionado, o que contribui para desencadear o desenvolvimento da fala (como se articulam as palavras) e da linguagem (o que se compreende, como e o que se diz, o que se lê e escreve).

 

Todo um Cérebro Desperto

Se, por exemplo, após a avaliação se concluir que um dos objetivos a trabalhar com a criança com sinais de alterações na fala é a memória auditiva, serão realizados exercícios que vão estimular as vias e o processamento auditivos, para que a subárea responsável pela audição presente na grande área da linguagem receba inputs específicos

 

Paralelamente, terão de ser estimuladas outras áreas necessárias para que a aprendizagem se efetive, como a memória geral e a capacidade de atenção; será necessário criar e fixar conceitos básicos que permitam que a criança aumente o número de palavras que diz e compreende, conseguindo generalizar e utilizá-las corretamente em múltiplos contextos, bem como inferir o significado de conteúdos novos que vai aprendendo todos os dias. 

 

Gradualmente, a criança vai prestando mais atenção ao que se passa à sua volta, vai descobrindo que cada vez mais pessoas conseguem perceber o que ela diz e que isso conduz a uma interação maior com o outro. 

Quanto mais interage, mais aprende e cresce, ganha novos amigos e novas possibilidades de brincadeiras, bem como carinho e atenção por parte das pessoas que a rodeiam.

Brincar, Jogar e Aprender

Sabe-se que as crianças ficam mais recetivas para aprender e mudar ou melhorar os seus comportamentos se todo o processo de aprendizagem for estimulante, do agrado da criança e a deixar feliz e motivada. Uma criança feliz é uma criança que se predispõe para aprender. Então, nada melhor que atividades e jogos cativantes, que chamem a atenção dos mais novos, para que eles se predisponham espontaneamente para receber estímulo e informação. 

 

Enquanto a criança se diverte e brinca com o Terapeuta, este utiliza as metodologias de intervenção que considerar necessárias, trabalhando os objetivos delineados no plano de intervenção. 

 

Sabendo-se especificamente o que se quer trabalhar e como atingir os resultados, determinado brinquedo ou jogo será uma ferramenta excelente para se estimular e desenvolver o funcionamento cerebral, a fala e a linguagem. E, consequentemente, melhorar as funções cognitivas, bem como as dimensões sociais, emocionais e escolares da criança. 


Bibliografia


  • Changeux, J. P. (1991). O Homem Neuronal. Lisboa: Edições D. Quixote. 
  • Damasio, A. R., & Damasio, H. (1992). Brain and language. Scientific American. Pp, 88-95.
  • Romeo, R.R. (2019). Socioeconomic and Experiential Influences on the Neurobiology of Language Development.
  • Weyandt L. L., Clarkin C. M., Holding E. Z., et al. (2020). Neuroplasticity in children and adolescents in response to treatment intervention: A systematic review of the literature. Clinical and Translational Neuroscience. 4 (2)
Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
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De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
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