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Entender o que sinto para me cuidar
Carolina Pequeno, Psicóloga Clínica no Espaço Crescer • 27 de janeiro de 2021

Hoje falamos sobre a importância de estarmos ou reaprendermos a estar em relação connosco como um aspeto necessário à autoestima, onde que emoções e pensamentos convivem lado a lado.

A relação com o Eu


Se podemos dizer que sentirmo-nos ouvidos e estarmos disponíveis para ouvir são duas condições importantes para uma relação satisfatória e investida; podemos dizer também que para não descuidarmos a relação connosco próprios é preciso escutar e atender ao nosso mundo interno.
No entanto, da mesma forma que às vezes podemos ser mais distraídos com os que mais amamos ou senti-los como mais desatentos com o que gostaríamos que fossem os primeiros a perceber; também acontece descuidarmo-nos na relação com nós próprios. E sobretudo se estamos pouco habituados a olhar para dentro, ou seja, a dar atenção e valor ao que sentimos e precisamos. Por isso, face a um sentimento de insatisfação com a vida, com as relações ou com caraterísticas próprias, talvez seja preciso reaprendermos a cuidar de nós, de uma forma diferente daquela a que nos habituámos e, às vezes, a diferente daquela a que fomos habituados.


E quando queremos cuidar-nos de forma diferente, mas por alguma razão que não se entende, não conseguimos mudar? E quando, a par disso, até vivemos a repetição do mesmo tipo de problemas na vida, acompanhados de sentimentos dolorosos ou conflitos internos que já se tornaram familiares?
A transformação é possível quando se está disponível para a aprendizagem e para a alteração de um determinado estilo cognitivo (forma de pensar adquirida através de associações que fomos fazendo entre experiências e emoções) que nos orienta. Mas apesar da capacidade para aprender ser inerente ao ser humano, esta pode ficar comprometida na presença de um contexto emocional negativo (Spitzer, 2007).


Mudarmos a forma como pensamos e aprendermos a cuidar de nós pode tornar-se difícil quando temos impedimentos, como medos associados – por exemplo, quando o medo de desiludir alguém ou de se ser rejeitado explica a dificuldade em valorizar as próprias necessidades na relação com o outro. Neste sentido, sabe-se que o medo e a ansiedade, a longo prazo, comprometem a descentração do pensamento, a aprendizagem associativa, e a capacidade para aguentar a incerteza e os sentimentos desagradáveis (Spitzer, 2007). Por isso, compreender o que nos causa mal-estar ou o que nos impede de mudar poder ser, às vezes por si só, transformador.

Entender o que me incomoda


Face a situações emocionalmente desafiantes que provocam sentimentos dolorosos difíceis de tolerar, cada indivíduo encontra a forma que lhe é possível, em determinado contexto e com os recursos disponíveis, para lidar com esses sentimentos difíceis.

Às vezes, evitar a vivência do sentimento difícil é a forma possível, de modo a conseguir-se manter funcional. No entanto, quando esta forma de lidar com os sentimentos vai sendo privilegiada ao longo da vida (muitas vezes, de modo inconsciente), a longo prazo não experienciar e entender as emoções e os sentimentos pode comprometer a capacidade para os gerir e dar, gradual e eventualmente, origem a sintomas. 

 

De notar que sintoma ou queixa não é em si a origem do mal-estar, mas a expressão de uma dificuldade que espera resolução.
Face a uma problemática semelhante, existem formas distintas de com ela lidar e também sintomas diferentes. Por exemplo, podemos ter um funcionamento depressivo presente em duas pessoas que o expressam de forma diferente, desde a vivência de falta de motivação e de falta de prazer nas atividades diárias, a um privilégio pela ação e dificuldade em estar sozinho.


Neste sentido, também um mesmo sintoma poderá ter significados diferentes em cada um. A persistência de sentimentos recorrentes de impaciência e irritação, o medo de andar de elevador, alterações do comportamento alimentar, enurese noturna, etc., podem ser, cada uma, uma queixa comum com explicações diferentes. Por exemplo, ranger os dentes durante o sono num indivíduo pode expressar sentimentos de zanga não pensados ou postos em palavras, enquanto noutro pode significar uma preocupação a ser “mastigada” (Janov, 1970).


Assim, entenda-se que um desenvolvimento emocional saudável inclui viver tanto os sentimentos agradáveis, como os dolorosos que o contexto ou os próprios pensamentos possam em nós despertar, para que não tenham de ser recorrentemente revividos e possam em nós habitar de forma harmoniosa, com lugar na sua origem.


Desta forma, para cuidarmos da nossa saúde mental, é importante estar em relação com o nosso mundo interno, sentindo e pensando sobre o que sentimos.
Contudo, fazê-lo pode não ser fácil, sobretudo se não estamos habituados, ou não conseguimos sair do mal-estar, ou as defesas à dor estruturam o nosso funcionamento. Pela dificuldade que envolve, para resolver o que nos incomoda e cuidarmos de nós, pode ser necessária a ajuda de um profissional adequado. 

Questões para pensar


Comigo

  • O que é que eu gosto em mim? E que é que em mim pode ser mais difícil de aceitar e reconhecer?
  • O que é que eu quero para mim?
  • O que é que eu quero que seja diferente na minha vida? O que é que eu posso mudar em mim para isso acontecer?
  • Como é que eu me cuido? Como é que eu me quero cuidar?


Na relação com os outros

  • Como é que me sinto na relação com as pessoas importantes da minha vida?
  • Como é que eu faço o outro sentir-se?
  • Como é que o meu comportamento influencia a forma como sou tratado pelos outros?

Bibliografia

 

  • Janov, A. (1970), The primal scream; primal therapy: the cure for neurosis. Nova Iorque: Dell Publishing Company.

  • Spitzer, M. (2007), Aprendizagem; neurociências e a escola da vida. Lisboa: Climepsi.
Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
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Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) provoca alterações na pessoa que sofreu o problema, mas também nas dinâmicas familiares e profissionais. A linguagem oral, escrita e não verbal ficam frequentemente afetadas após este episódio.
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De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
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