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Bilinguismo
Tânia Santos, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer • 1 de fevereiro de 2021

Nos tempos atuais, é cada vez mais comum as crianças serem expostas a ambientes com vários idiomas, seja devido à crescente mobilidade da população, à globalização dos meios de comunicação, ou por uma opção de educação, em que a criança integra uma escola de ensino bilingue. No entanto, ainda existem alguns mitos e receios sobre o impacto que a exposição simultânea a duas ou mais línguas possa ter no desenvolvimento da linguagem da criança.

Então, o que é na verdade isto do bilinguismo?


Ser bilingue significa que a criança consegue falar simultaneamente duas línguas.


A ciência e os diversos estudos apontam para dois tipos de bilinguismo:

  • Simultâneo: quando a criança está exposta, desde o nascimento, a duas línguas de forma consistente no seu dia-a-dia e aprende as duas em simultâneo. Isto ocorre, por exemplo, quando os pais têm nacionalidades diferentes. Neste processo, as crianças adquirem ou assimilam inconscientemente as “regras das línguas” e aplicam-nas automaticamente. 
  • Sequencial: quando a criança aprende a segunda língua após ter adquirido totalmente a primeira língua (língua materna). Isto ocorre, por exemplo, quando a criança é emigrante ou começa a frequentar um contexto escolar com outro idioma. Neste contexto, é necessário que exista uma aprendizagem consciente de uma segunda língua, com o ensino de regras. Esta aprendizagem pode ser mais fácil se existir um bom desenvolvimento da linguagem aquando da aquisição da língua materna. Isto porque, por vezes, aprende-se uma segunda língua por comparação à primeira.

Mitos e Verdades sobre o Bilinguismo


A introdução de duas línguas atrasa o desenvolvimento da linguagem na criança?

Falso


No desenvolvimento da linguagem de uma criança, independentemente do número de línguas a que a criança esteja exposta, por norma, as primeiras palavras surgem por volta de um ano de idade e, por volta dos dois anos, já começa a usar pequenas frases. Até ao momento, não existem evidências científicas de que o bilinguismo pode provocar um atraso ou alteração no desenvolvimento da linguagem. 


Sabe-se que a introdução muito precoce das duas línguas é facilitadora do desenvolvimento linguístico devido à plasticidade cerebral da criança. No entanto, nem sempre uma pessoa bilingue terá o mesmo nível de proficiência em ambas as línguas em que comunica, podendo uma delas ser, em determinado momento da vida, mais dominante. Isto ocorre, muitas vezes, devido à quantidade de exposição e ao uso de cada língua. Deste modo, na fase de aquisição do bilinguismo (simultâneo) é importante que seja promovido uma exposição natural e sistemática às duas línguas.


É, no entanto, relevante reforçar que, apesar de cada criança ter o seu ritmo de desenvolvimento, o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem e fala tem por base fases e etapas expetáveis, tanto na aquisição de uma ou mais línguas. Nesse sentido, é importante não esquecer que, apesar de existirem variações individuais, existem também marcos de desenvolvimento que são esperados em cada faixa etária. Assim, se estes não ocorrem ou levantam dúvidas, é importante procurar a ajuda de um Terapeuta da Fala. Um atraso significativo no desenvolvimento da linguagem, seja compreensiva ou expressiva, não está, por si só, relacionado com a exposição simultânea a duas línguas.


É normal misturar as duas línguas? Isto vai gerar confusão?

É normal misturar as duas línguas? Verdadeiro

Isto vai gerar confusão? Falso


É comum as crianças bilingues misturarem no discurso palavras de ambas as línguas. Numa primeira fase, isto ocorre quando a criança não se lembra ou não sabe a palavra naquele idioma e vai “pedir emprestado” à outra língua. Por norma acontece quando a criança sabe que o outro também domina as duas línguas e perceberá o que ela quer dizer. Inclusivamente, vários adultos misturam ambos os idiomas de forma regular quando estão entre amigos ou família. Existem ainda algumas pesquisas que verificam que, quanto mais proficientes, mais a pessoa bilingue mistura os idiomas sem violar nenhuma das regras gramaticais das línguas.


Deste modo, misturar as línguas é um processo natural e normal da aquisição bilingue durante os primeiros anos. A criança acabará por deixar de o fazer (desde que não ocorra com frequência na comunidade), não sendo necessário os pais ou educadores tentarem impedir a “mistura”.



Ao expor a criança a duas línguas, é mais benéfico cada pai falar uma só língua com a criança?

Falso


Apesar de ser uma estratégia amplamente utilizada, não existem dados científicos que nos digam que esta abordagem seja a mais correta ou a única que deva/possa ser utilizada ou até a que diminui a mistura de línguas. É recorrente as crianças misturarem as línguas, independentemente da visão dos pais e várias abordagens podem levar ao bilinguismo. O mais importante é que os pais falem com filhos de uma maneira confortável e natural.


Para aprender corretamente a língua majoritária da comunidade, os pais devem deixar de falar a língua materna com a criança?

Falso


Alguns pais, mesmo não sendo fluentes, tentam falar a língua majoritária com os seus filhos porque desejam que eles aprendam essa língua. No entanto, isso pode tornar as conversas e as interações pouco naturais ou até desconfortáveis ​​entre pais e filhos. Não existem evidências científicas de que o uso frequente da segunda língua em casa seja essencial para que a criança aprenda essa segunda língua (Paradis, J., Genesee, F., & Crago, M. 2011). Além disso, se a criança não conhecer a língua materna da família, pode não conseguir comunicar com todos os elementos do seio familiar. Estudos apontam que as crianças que têm uma base sólida na sua língua materna aprendem mais facilmente uma segunda língua. Por outro lado, as crianças que não são expostas e/ou não praticam de forma consistente a sua língua materna serão menos proficientes na mesma.


Vantagens do Bilinguismo


  • As crianças bilíngues conseguem focar mais a sua atenção em informações relevantes e ignorar distrações. É ainda referido que têm melhores capacidades de memorizar e evocar informação e maior facilidade em desenvolver ou aprender outras línguas.
  • Em adulto, o facto de se compreender e usar fluentemente duas ou mais línguas pode tornar-se uma vantagem social, potenciando a integração no mercado de trabalho.
  • O bilinguismo reduz os efeitos de envelhecimento no cérebro na idade adulta.
  • Pode tornar-se uma vantagem na recuperação de uma afasia após um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou outra condição incapacitante (ex.: demência; Parkinson). Isto porque ambas as línguas não têm a mesma representação neurológica, sendo que uma delas pode não ficar (totalmente) afetada, compensando em parte a limitação da outra língua.

Bibliografia

  1.  
  • Canadian Council on Learning  (2008). Parlez-vous français? The advantages of bilingualism in Canada.  Disponível online: http://www.ccl-cca.ca/pdfs/LessonsInLearning/Oct-16-08-The-advantages-of-bilingualism.pdf
  • Lowry L (2015). Bilingualism in Young Children: Separating Fact from Fiction. Hanen Early Language Program.
  • Paradis, J., Genesee, F., & Crago, M. (2011). Dual Language Development and Disorders: A handbook on bilingualism & second language learning. Baltimore, MD: Paul H. Brookes Publishing.
Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
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Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) provoca alterações na pessoa que sofreu o problema, mas também nas dinâmicas familiares e profissionais. A linguagem oral, escrita e não verbal ficam frequentemente afetadas após este episódio.
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De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
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