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Otites e Linguagem, qual a relação?
Renata Ferraria, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer • 21 de outubro de 2019

Quando começamos a ouvir?


No meio intrauterino, por volta dos quatro meses de gravidez, a audição já se encontra em desenvolvimento. O bebé é capaz de ouvir os batimentos cardíacos da mãe e uma música que esteja a tocar, por exemplo. Quando nasce, começa a experienciar as suas primeiras produções sonoras, chorando e emitindo algumas vocalizações. Além disso, com poucos meses de idade, tem capacidade para reconhecer as vozes dos pais, distinguir a voz humana de sons do meio ambiente, identificar sons alegres/tristes e sons altos/baixos, localizar as fontes sonoras e percecionar os sons da sua língua.

Qual a relação entre a audição e a linguagem?

A linguagem é uma capacidade inata ao ser humano. No entanto, para que esta se desenvolva é fundamental que haja, de entre vários fatores, integridade do sistema auditivo. Ou seja, para a criança aprender a falar, terá de conseguir ouvir, discriminar e processar os sons da sua língua. A audição e a linguagem são, então, competências que se encontram correlacionadas. É através deste sentido que é obtida a informação sonora necessária ao domínio verbal (oral e escrito) de uma língua.

E quando existem otites?


Durante os primeiros anos de vida, a causa mais comum de dificuldade auditiva é a otite, principalmente a otite serosa (não infeciosa). Balbani & Montovani (2003) referem que cerca de 80% das crianças têm pelo menos um episódio de otite até aos oito anos de idade. Além disso, são vários os autores que referem que se trata de uma patologia que tem aumentado consideravelmente nos últimos 20 anos.


A otite serosa consiste numa inflamação que ocorre no ouvido médio devido a uma acumulação de fluido junto ao tímpano. Por consequência, o ouvido médio, cuja funcionalidade é transmitir e amplificar os sons do meio ambiente até ao ouvido interno, deixa de conseguir cumprir totalmente a sua função. Ocorre, então, uma perda da sensibilidade auditiva, designada perda auditiva de condução. Esta perda auditiva geralmente é bilateral (afeta os dois ouvidos) e pode ser de grau muito leve a moderado (15 a 40 decibéis). A criança tende a ter dificuldade em perceber e ouvir os sons da fala, entendendo-os de forma reduzida, como se fossem abafados ou os escutasse debaixo de água, não os conseguindo percecionar na totalidade.


Normalmente, a perda auditiva que acompanha a otite é temporária, pois ocorre apenas durante a infeção. Porém, apesar de transitória, naquele momento alguns sons tornam-se inaudíveis para a criança. Além disso, a perda auditiva tende a ter um caráter flutuante, ou seja, alterna com períodos de audição normal, o que induz uma estimulação sonora inconsistente do sistema nervoso auditivo central, dificultando a perceção dos sons da fala por parte da criança. Também o ruído que geralmente existe junto à cóclea (órgão da audição), causado pelo fluido existente no ouvido médio, tende a distorcer a perceção sonora.

Quais as implicações das otites na linguagem?

O período crítico de aquisição e desenvolvimento da linguagem ocorre durante os três/quatro primeiros anos de vida, idades em que normalmente surgem as otites. O facto de, consequentemente, a criança percecionar os estímulos sonoros de forma distorcida poderá causar dificuldades de articulação verbal oral, nomeadamente omissão e/ou troca de sons, e dificuldades de discriminação auditiva de palavras muito parecidas (ex.: “faca” e “vaca”).

Estudos afirmam que o comprometimento do desenvolvimento das competências linguísticas, consequente da perda auditiva, pode ter um efeito duradouro, comprometendo não apenas a aquisição da linguagem no seu período de aquisição, mas também a futura aprendizagem escolar (leitura e escrita). Nestes casos, tais dificuldades escolares serão consequência de alterações ao nível da consciência fonológica, ou seja, do facto de a representação mental dos sons não estar consolidada; as dificuldades surgem assim que se tenta fazer a conversão entre as letras e os sons, podendo ocorrer erros ao ler e/ou ao escrever palavras com sons semelhantes (ex.: “pota” e “bota”).

Vários autores mencionam que as referidas alterações, uma vez que advêm de perdas auditivas que tendem a ocorrer durante o desenvolvimento do sistema nervoso, provavelmente, irão manter-se até, pelo menos, aos 11 anos. É ainda importante mencionar que, além das consequências linguísticas, as dificuldades auditivas podem também afetar a atenção e o comportamento da criança.

O que fazer?

a) Reconhecer precocemente

Normalmente, os pais tendem a procurar o médico quando a criança se queixa de dores no ouvido frequentemente ou apenas quando surgem dificuldades de aprendizagem escolar. Uma vez que a otite serosa surge de maneira insidiosa, ou seja, não causa dor e nem sempre é acompanhada de febre, torna-se difícil para os pais conseguirem identificar o problema na sua fase inicial.

Tal como foi referido anteriormente, os primeiros 4 anos de vida são críticos para o desenvolvimento da fala e da linguagem e, simultaneamente, correspondem ao período de maior ocorrência de otites médias. Embora esse tipo de otites, muitas das vezes, acabarem por melhorar espontaneamente, tendem a reincidir. Visto isto, a identificação destas perdas auditivas é muito importante, uma vez que, independentemente do tipo e do grau, irão comprometer a linguagem, a aprendizagem, o desenvolvimento cognitivo e psicoemocional e a inclusão social da criança. Vários autores referem mesmo que, quando não são diagnosticadas nem tratadas, dificilmente as alterações consequentes serão totalmente corrigidas.

Por estes motivos, é essencial a atenção e a colaboração dos pais para o rastreio precoce e um tratamento rápido e atempado. Seguem possíveis sinais de alerta que uma criança com dificuldades auditivas, de grau leve a moderado, decorrentes de otites serosas, pode apresentar:

  • Falar muito alto;
  • Ouvir a televisão com o volume elevado;
  • Não olhar quando a chamam ou quando falam com ela, principalmente em ambientes ruidosos (ex.: televisão/telefone a tocar);
  • Pedir frequentemente para se repetir (“ah?”, “o quê?”);
  • Revelar um atraso no desenvolvimento da linguagem;
  • Trocar de forma persistente sons ao falar (erros articulatórios);
  • Revelar dificuldades escolares (compreensão leitora; expressão escrita);
  • Estar constantemente desconcentrada, com pouca atenção e/ou distraída;
  • Apresentar alterações em termos de comportamento social (ex.: isolamento);
  • Ter uma respiração predominantemente oral (pela boca);
  • Apresentar rouquidão persistente.

b) Recorrer a Profissionais de Saúde

Uma vez identificada uma otite média, a criança deverá ser acompanhada por um otorrinolaringologista, o qual irá decidir o tratamento específico a realizar (ex.: medicação, cirurgia). Através desse, normalmente a audição restabelece-se e a linguagem melhora significativamente.

No entanto, é necessário estar atento ao facto de se manterem ou não as dificuldades na produção dos sons. Em caso afirmativo, a criança deverá realizar uma avaliação auditiva, da linguagem e do processamento auditivo para se confirmar se superou as suas dificuldades (Otorrinolaringologia e Terapia da Fala). Em alguns casos, poderá vir a ser necessário acompanhamento em Terapia da Fala, de modo a desenvolver e a otimizar as suas capacidades auditivas e linguísticas. O papel dos pais é também crucial para ajudar a recuperar o tempo perdido.

Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
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De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
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