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1,2,3 um alimento de cada vez - Recusa e Seletividade Alimentar na Infância
Tânia Santos, Terapeuta da Fala no Espaço Crescer • 14 de novembro de 2021

Os pais estão cada vez mais atentos para as dificuldades no desenvolvimento dos filhos, seja em termos motores, desenvolvimento da linguagem ou sociais. Contudo, quando temos uma criança que não aceita comer certos alimentos, só come uma lista restrita e/ou recusa novos sabores ou texturas é por vezes mais difícil procurarem ajuda. Isto acontece, pois, às vezes, os pais não sabem “quem” e “como” os pode ajudar e também por ainda existir muito a ideia na sociedade de que se a criança não come é porque é “esquisita”, “manhosa”, “quando tiver fome depois come”, “é dela, sempre foi assim”. Estas dúvidas, receios e comentários, fazem com que, muitas vezes, os pais achem que não existe nada que se possa fazer ou que eles é que estão a fazer algo errado. Desta forma, surgem sentimentos como a ansiedade, o desespero, a desistência e/ou a falta de paciência, dando-se assim início a uma bola de neve sem fim à vista!


No entanto, o “ele sempre foi assim” pode ter (e muitas vezes tem) um ou mais motivos ou causas. Comer, apesar de parecer algo simples e natural, é um ato bastante complexo que exige a coordenação harmoniosa de 31 músculos, 6 pares cranianos e 8 sistemas sensoriais (visual, auditivo, equilíbrio, olfativo, gustativo, tátil, propriocetivo, interoceptivo), sendo ao mesmo tempo uma experiência social, cultural e emocional. 


Durante o primeiro ano de vida da criança é esperado que ela passe por várias etapas no decurso da alimentação, iniciando-se na sucção, passando depois por alimentos em puré e sólidos, gradualmente mais duros, consistentes e com temperaturas e texturas diferentes. Contudo, estas experiências e processo de aprendizagem nem sempre são iguais e harmoniosas para todas as crianças, sendo frequente a ocorrência de dificuldades alimentares, num determinado período de vida do bebé ou da criança.

Então, o que é a recusa e/ou seletividade alimentar?

A recusa e/ou seletividade alimentar consiste na recusa em provar ou comer um alimento específico ou na aceitação restrita e/ou pouca variedade dos alimentos. Por vezes, as crianças podem preferir uma característica específica dos alimentos (por exemplo: só alimentos crocantes ou só alimentos com tons claros). Em algumas situações podem recusar categorias inteiras de alimentos, seja pelo tipo de textura, sabor, cheiro, aparência ou temperatura.


Esta situação pode levar a que a criança suprima alguns nutrientes importantes para um desenvolvimento alimentar completo e harmonioso, potenciando outras dificuldades como dificuldades de concentração, irritabilidade, sonolência, deficiência nutricional, alterações de peso, entre outros.


Também é comum numa criança com recusa e seletividade alimentar, aceitar e comer um determinado alimento e depois deixar de o fazer. Isto acontece porque os sistemas sensoriais (que têm um grande impacto no desenvolvimento das capacidades sensório-motoras orais, desde o período intra-uterino) são dinâmicos, ou seja, a informação é sempre processada de forma diferente, justificando desse modo a aceitação ou recusa do mesmo alimento.


Não existe uma causa específica, mas sim um conjunto de fatores que podem levar à ocorrência de dificuldades alimentares. Contudo, entre outras situações, é frequente surgir em crianças com:

  • Prematuridade;
  • Patologias neuromotoras;
  • Atraso do Desenvolvimento Psicomotor;                                             
  • Distúrbios Gastrointestinais;
  • Perturbações do Espectro do Autismo;                                                 
  • Alergias/Intolerâncias/Alimentares;
  • Síndromes genéticos;
  • Patologia Cardíaca.


Alguns Sinais de Alerta

  • Grandes dificuldades em aumentar o peso e compromisso no Índice de Massa Corporal (IMC);
  • Engasgos, vómitos e tosse persistentes durante as refeições;
  • Sintomatologia de Refluxo Gastro-esofágico;
  • Historial de problemas de alimentação e respiração;
  • Dificuldades na transição de texturas e na utilização de novos utensílios;
  • Recusa em provar novos alimentos;
  • Existência de uma dificuldade oromotora;
  • Alimentação restritiva (menos de 20 alimentos);
  • Conflito familiar e com a criança às refeições.


Quem pode ajudar?

Em casos de recusa e seletividade alimentar, primeiramente, é importante descartar se existe alguma causa orgânica que pode estar a influenciar a alimentação. De seguida, fazer uma avaliação e traçar um plano de intervenção em equipa com profissionais especializados (Terapeuta da Fala, Terapeuta Ocupacional, Psicólogo e Médico).


Estratégias que podem usar em casa

  • Comer em família junto da criança, num ambiente calmo e prazeroso sem pressão para comer, partilhando os alimentos.
  • Garantir um o ambiente de refeição agradável para que esta seja associada a memórias positivas. 
  • Evitar o uso de objetos distratores como por exemplo televisão, Tablet, telemóvel, brinquedos. As refeições em família são fundamentais para promover uma maior comunicação e que a criança possa focar-se na exploração da comida.
  • Colocar no prato da criança alimentos que ela gosta de comer e colocar um bocadinho de outro alimento que ela não gosta na mesa, ou, se tolerar, no prato dela. O objetivo não é ela comer o que não gosta, mas sim, ter exposição visual ao mesmo.
  • Cozinhar juntos explorando os diferentes alimentos.
  • Incentivar a provar, sem pressionar. A criança pode tocar, lamber, dar uma pequena trinca, sem ter que comer.


Em suma, a aceitação e variação de novos alimentos nem sempre é um processo linear e fácil, sendo normal que as crianças não aceitem certos alimentos das primeiras vezes. Estudos apontam que, para que a criança consiga provar um alimento, se acostume e comece a gostar e a aceitar pode ser necessário entre 15 a 25 exposições do mesmo alimento. É ainda aceitável que ela possa não gostar de um certo ou alguns alimentos. O mais importante é garantir que ela consiga fazer uma alimentação variada e equilibrada com a ingestão dos diferentes nutrientes necessários. Em caso de dúvida, pode sempre procurar ajuda de um profissional com especialização na área.

Bibliografia

  1.  
  • Junqueira, P. (2017). Porque meu filho não quer comer? Uma visão para além da boca do estômago. 1ª Edição. Brasil: Idea Editora
  • Dias, T. (2021). Recusa e Seletividade Alimentar Infantil - A abordagem do terapeuta da fala. [Powerpoint Slides]. Moodle.
  • Potock, M. (2010). The Joy of Feeding Therapy. Vol15. Nº13 ASHA.
Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
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De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais 5ª Edição (DSM-5), a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma alteração do neurodesenvolvimento, caracterizada por défices na interação social e capacidade comunicacional, pela ocorrência de comportamentos repetitivos e estereotipados e pela presença de interesses restritos (Khaledi et al., 2022; Mohammed, 2023; Posar & Visconti, 2017). O ser humano interage com o meio envolvente desde o seu nascimento, através de uma rede complexa de recetores que enviam constantemente informações ao sistema nervoso central que, consequentemente, geram uma determinada reação (Vives-Vilarroig et al., 2022). Estas informações são captadas através dos diferentes sentidos, uma vez que são estes que moldam as diferentes sensações e as transmitem, possibilitando ao ser humano a compreensão do que o rodeia e a formulação de diferentes conceções (Silva, 2014). Vários estudos têm evidenciado que crianças com PEA percecionam os estímulos ambientais de diferente forma, presenciando dificuldades na adequada resposta ao meio ambiente (Silva, 2014).
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