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“Fome emocional” e Compulsão alimentar
Carolina Pequeno, Psicóloga Clínica no Espaço Crescer • 27 de maio de 2020
O consumo de alimentos é um comportamento muitas vezes utilizado não pela sua função nutricional, mas como um recurso externo para desfrutar de prazer imediato. Todos nós temos a experiência de comer algum alimento apenas pelo prazer que nos confere naquele momento. Por exemplo, aceitarmos algo doce que nos é oferecido, ou repetirmos parte daquela dose da refeição que nos soube bem à primeira.

"Fome emocional”


Contudo, por vezes, face a estados psicológicos difíceis de experienciar (stress, ansiedade, aborrecimento, medo, tristeza, desilusão, entre outros), o consumo de alimentos pode ser um recurso imediatamente encontrado para, na dificuldade de tolerar tais emoções, evitar vivê-las através uma forma de obter prazer que silencia e abafa a expressão das emoções. A esta forma de procura dos alimentos, no senso comum costuma-se chamar “fome emocional”, termo que alude à associação (e até confusão) entre a necessidade emocional e a fome física, e à acção que procura satisfazer a primeira através da segunda.

No entanto, esta é uma forma ineficaz a médio e longo prazo, porque procurando evitar as emoções, recorrendo à acção para silenciar o desconforto, não permite desenvolver recursos internos / competências emocionais para as conseguir sentir, pensar e com elas lidar.

Compulsão alimentar


Por outro lado, a esta questão a que chamamos habitualmente “fome emocional” pode, todavia, tratar-se também de uma compulsão alimentar, quando a procura do alimento surge como uma acção indesejada, mas persistente. Portanto, comer compulsivamente difere do “simples” acto comer impulsivamente, porque a acção repete-se, por vezes até de forma escalada.

Podemos dizer que existe um funcionamento com característica compulsiva quando para a obtenção prazer e bem-estar se recorre privilegiadamente à acção – nomeadamente a uma forma de acção indesejada e persistente. Indesejada, porque não só não é eficaz na resolução do problema original, como interfere na sua verdadeira resolução, e persistente, porque, não sendo eficaz, a acção continua a ser realizada por ser uma forma bem conhecida pela mente para a obtenção bem-estar imediato, tornando-se, assim, difícil de resistir.

Porquê comer compulsivamente?


Para compreendermos a compulsão alimentar, é importante ter em conta que apesar de este tipo de funcionamento apresentar-se como um problema por quem o vive (porque causa desconforto), é um sintoma/queixa, ou seja, é expressão de um problema mais profundo que está na sua origem e com um significado inconsciente por entender.

Como com qualquer compulsão, comer compulsivamente permite controlar necessidades e emoções difíceis de tolerar, suprimindo-as, silenciando-as através da acção.


Exemplo:

Consumir o alimento pode significar simbolicamente a satisfação (preenchimento literal) da necessidade emocional (fome) que está por reconhecer e satisfazer.


Aqui, a acção pode traduzir uma fuga ao reconhecimento de frustrações e desejos/necessidades inconscientes insatisfeitas, pela dificuldade em satisfazê-las, por exemplo, por não se sentir merecedor ou por, ao longo da vida, sentir que não é possível.

Face a isto, o alimento (simbólico da satisfação das necessidades) pode ser representado como proibido, a satisfação do desejo pode ser vivida como uma transgressão e, ao mesmo tempo, pode persistir a sensação de “nunca chegar”, o que leva à repetição da acção de forma compulsiva, uma vez que a acção não resolve verdadeiramente a necessidade emocional. Aqui, podem também estar envolvidos sentimentos de culpa e vergonha.

Além disso, muitas vezes este sintoma surge como sendo vivido em momentos em que se está simplesmente sem nada para fazer, em que o estado emocional que o desperta é o aborrecimento, quando se tem tempo para se descansar sem tarefas para fazer (por exemplo, ao final do dia depois do trabalho ou no fim de semana), ou quando se está com poucos estímulos que mantenham a pessoa ocupada.


Aqui, a procura de comida pode surgir:

  • Como uma forma de não se permitir a estar sem fazer nada ou a ter tempo livre, através de uma acção que procura preencher (literalmente) e boicotar o tempo e espaço mental livres que se pode ter, por não saber como estar sem fazer nada e não se permitir a disfrutar de tempo para fazer o que realmente gosta na vida. Aqui, falamos do recurso à comida, como poderia ser qualquer outra coisa que se consome compulsivamente. No contexto de preencher e ocupar a mente, pode usar-se a comida, como se pode usar de forma compulsiva estar no telemóvel, ver séries, consumir álcool, sobreinvestir no trabalho, ou alguma outra forma de acção que permita manter-se ocupado e distante da sua vida emocional.
  • Como expressão de uma dificuldade em conseguir autorregular a sua vida emocional. Por exemplo, autodisciplinar-se ao conseguir adiar a satisfação de impulsos e vontades que surjam quando está parado a tentar concentrar-se nalguma actividade que queira concretizar.

Relativamente à dificuldade de autorregulação das emoções, que é um tema comum na compulsão alimentar, podemos compreender a falha no desenvolvimento da capacidade de autorregulação pelas vivências passadas.

Por exemplo, durante o crescimento, a pessoa pode não ter vivido suficientes oportunidades para se questionar sobre as suas vontades e validar as suas emoções, ao mesmo tempo que se tenha sentido orientada a funcionar de determinada forma (por exemplo, de acordo com horários excessivamente rigosos que não tinham em conta e contrariavam as suas necessidades/vontades, ou com um superenvolvimento dos pais na resolução dos problemas da criança, sem que esta sentisse espaço para experimentar à sua maneira, errar e pensar) em que o “ter de ser” afunilou o espaço para se descobrir como se é e como pode lidar com as próprias emoções e vontades face aos limites da realidade exterior.

Assim, na compreensão das acções, pode ser importante questionarmo-nos:

  • Em que momentos é que vou buscar comida desta forma?
  • Que emoção é que me surge nesses momentos / Como é que eu me sinto nessas alturas? (ansiedade, stress, aborrecimento, …)
  • Porquê a necessidade de evitar essa emoção? Porque é que é difícil aceitar/viver essa emoção?

As respostas a estas perguntas visam entender a função e o significado da acção e o porquê de se viver determinada emoção de determinada maneira, sendo o ponto de partida para desenvolvermos recursos emocionais e reconstruirmos a forma como lidamos com as nossas emoções.

Uma verdadeira satisfação das necessidades emocionais não descura o contacto com as emoções dolorosas e a sua compreensão. Para tal, recorrer à psicologia clínica pode ser um meio importante para se fazer este trabalho.
Sentir e identificar o sentimento é, então, o ponto de partida para, por um lado, vir a entender a origem do desconforto, e por outro, vir a desenvolver recursos internos que permitam à pessoa conseguir aceitar, tolerar e gerir a sua vida emocional – com mais capacidade de análise das próprias emoções, com possibilidade de escolher de forma mais consciente, de pensar e concretizar as suas escolhas, e com comportamentos menos irresistivelmente impulsivos – em vez de privilegiar a procura de recursos externos nas horas de dificuldade.
Exemplos de pesquisa: #psicologia, #terapiadafala, ansiedade, voz
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Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) provoca alterações na pessoa que sofreu o problema, mas também nas dinâmicas familiares e profissionais. A linguagem oral, escrita e não verbal ficam frequentemente afetadas após este episódio.
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